Catástrofes como as enchentes do Rio Grande do Sul têm o poder de abalar toda uma comunidade, até mesmo quem não foi diretamente afetadas por elas. Eventos climáticos extremos estão cada vez mais comuns a nível global. Por isso, é tão importante que as empresas saibam como podem apoiar os colaboradores depois de tragédias.
A situação das pessoas e das empresas
No caso de enchentes, as pessoas podem ser atingidas de diversas formas. Podem estar desabrigadas e morando em abrigos após perderem seus lares ou o acesso a eles. Podem estar desalojadas, vivendo na casa de outras pessoas, devido às situações mencionadas anteriormente ou até mesmo pela falta de água, luz, gás ou internet.
Há o caso dos que permaneceram em casa, mas com recursos limitados. E ainda os que abriram suas portas para receber alguém que precisava de um teto. Também existem os que têm família ou amigos vitimados pela enchente. Além disso, outras pessoas podem estar com o psicológico abalado ao acompanharem a tragédia na sua comunidade.
Já empresas podem ter tido suas estruturas físicas total ou parcialmente destruídas, o acesso a elas pode estar interrompido ou danificado e sua cadeia de suprimentos pode ter sido impactada. Ademais, elas precisam apoiar colaboradores depois de tragédias.
Comitê de crise para mapear prioridades para apoiar colaboradores depois de tragédias
Após as primeiras ações emergenciais, que muitas vezes são realizadas por quem tem mais contato com os atingidos, a criação de um comitê de crise é uma alternativa para apoiar colaboradores depois de tragédias. De acordo com a psicóloga e consultora empresarial Bruna Möller Ferlauto, especialista em Governança Corporativa e Gestão de Riscos e sócia executiva na KORR Treinamento, ele deve ser formado, preferencialmente, por tomadores de decisão que estão em condições físicas, psicológicas e de infraestrutura. O grupo avalia a situação da empresa, quais demandas ela pode suprir e o que é prioridade.
“Apesar do sentimento solidário que emerge nesse momento e que traz a vontade de ajudar e salvar a todos atingidos indistintamente, sabemos que existem limites. Algumas empresas estão em condições de fazer campanhas externas e internas, outras não. Desta forma, para as que estão em restrição, sugiro o foco de deixar os seus colaboradores na melhor condição possível”, pondera.
Para definir o que é mais importante, o primeiro passo é ouvir as pessoas para entender suas necessidades. Questionários e conversas são ferramentas para fazer um levantamento dos mais afetados. Importante lembrar que é possível que alguns colaboradores não tenham acesso a todos os canais, então talvez haja a necessidade de abordá-los por diferentes pontos de contato.
A recomendação é que haja reuniões periódicas frequentes para monitorar o time e a situação no geral. Como o cenário pode mudar rapidamente, o comitê precisa estar pronto para ajustar prioridades e adaptar diretrizes de acordo com a realidade daquele momento.
Ações para apoiar colaboradores depois de tragédias
Dependendo do que foi mapeado, essas podem ser algumas maneiras de apoiar colaboradores depois de tragédias:
- Priorizar a segurança: caso o deslocamento até a empresa ou suas próprias instalações oferecerem riscos aos profissionais, solicitar que eles não compareçam presencialmente até que a situação melhore;
- Oferecer alojamento: para trabalhadores que tiveram seus lares ou acesso atingidos, a empresa pode reservar hospedagens, se tiver recursos para fazê-lo;
- Apoiar financeiramente: tanto como pessoa jurídica quanto como pessoas físicas, companhia, diretoria, lideranças e colegas podem se unir em solidariedade para angariar fundos aos atingidos. (Antes de começar qualquer tipo de campanha, é imprescindível perguntar para a vítima se ela concorda em ter sua situação exposta);
- Antecipar pagamentos: se a situação financeira da companhia permitir, adiante remunerações como 13º e férias, se for de interesse do funcionário;
- Autorizar licenças: tempo para se organizar, tempo para limpar, tempo para reconstruir, tempo para se reestabelecer, tempo para curar. Avalie as condições dos colaboradores e conceda tempo para os que precisam;
- Divulgar informações: utilizar os canais de comunicação interna para que as pessoas conheçam seus direitos e benefícios, saibam onde encontrar apoio psicológico, tenham independência para buscar seus recursos e a liberdade de ajudar da maneira que mais lhe convém. Essa divulgação deve ser feita por partes, de acordo com prioridades. “Não adianta fazer um material enorme de uma vez só, pois o pessoal não assimila”, adverte Bruna.
- Flexibilizar entregas: negociar responsabilidades ou prazos para que as pessoas foquem no mais importante (às vezes, suas vidas, seus lares ou suas famílias) e ninguém se sobrecarregue;
- Colocar-se à disposição: mostrar para os colaboradores que a empresa e sua liderança estão abertas para, na medida do possível, atender problemas ainda não mapeados.
Por que manter o negócio em andamento para apoiar os colaboradores depois de tragédias
O mapeamento também serve para descobrir quem tem condições de seguir tocando as demandas da organização. Bruna ressalta que um dos desafios desse momento é manter a roda da empresa girando para que ela possa honrar seus compromissos, preservar empregos e até para conseguir ajudar os afetados.
“Para isso são necessários recursos, inclusive financeiros. No primeiro momento vemos um movimento de solidariedade muito grande, todo mundo fica muito chocado. É preciso cuidado com decisões no calor do momento, botar o pé no chão e respeitar o limite das pessoas e do negócio”, salienta a psicóloga.
Para manter as entregas, a psicóloga aposta no espírito de colaboração. “Ao perceber que um colega que sempre performou bem não está dando conta, podemos entender, relevar e se colocar a disposição para ajudar”, avalia. Para ela, justiça e bom senso são palavras-chave nesse momento.
Todo papel é importante
A avaliação da estrutura também permite compreender se há a possibilidade de remanejar tarefas ou liberar colaboradores para outras frentes, como o voluntariado. Tudo isso deve ser feito de forma justa sem que essas ausências impactem a operação em demasia.
Para ela, novamente, o bom-senso deve prevalecer. Ao solicitar dispensa para ajudar os afetados, os colaboradores precisam saber quais são suas responsabilidades naquele período.
A psicóloga lembra que seguir trabalhando e manter o negócio também é uma maneira de ajudar. Segundo ela, as empresas precisam ficar firmes, não somente por si, mas pelo Estado, que vai precisar de recursos para a reconstrução. “Quem opta por assumir esse papel não deve se sentir culpado, pois está fazendo algo útil e desempenhando uma missão fundamental para a superação da crise. Continuar tocando as coisas não é egoísmo”, aponta.
De acordo com Bruna, quem sente assim deve encontrar recursos para que a culpa não domine. “É preciso entender que todo papel é importante nesse momento: quem está tentando reconstruir a economia, quem está voluntariando, quem está doando, quem está compartilhado informações relevantes, quem está buscando a espiritualidade ou simplesmente quem está mantendo a serenidade para ficar bem”, analisa.
Bruna observa que no começo da crise, muitas pessoas se voluntariam para ajudar. Com o passar do tempo, elas cansam e precisam ser substituídas. “Quem tem condições deve se preservar para poder apoiar, no longo prazo, até mesmo os que estão ajudando”, aponta.
Para ela, cada um precisa descobrir dentro da sua individualidade onde pode contribuir mais sem desequilibrar sua saúde (seja ela física, psicológica e até financeira). Quem sente que não está em condições, deve reconhecê-lo e ser transparente com sua liderança para que se encontre a melhor maneira de voltar ao equilíbrio.
Lidando com diferentes reações
Para apoiar colaboradores depois de tragédias, é crucial lembrar que as pessoas reagem a experiências traumáticas de distintas maneiras. Geralmente, quem já passou por situações extremas ou precisou superar obstáculos maiores na sua história de vida pode ser mais resiliente.
Alguns são mais reativos, outros mais passivos ou super proativos. Assim como há pessoas que reagem demonstrando raiva e indignação, outras ficam mais deprimidas e sem ação, e também existem as que agem muito e buscam se envolver na ajuda.
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Por outro lado, há indivíduos que têm mais dificuldade em lidar com situações de caos. Para simular uma normalidade, elas podem acabar reagindo de maneira rígida e fechada, transmitindo indiferença. Nesses casos, a psicóloga urge que o outro lado tenha discernimento para entender a pessoa, procure flexibilizar e não bata de frente. “É preciso construir uma comunicação com essa pessoa, que às vezes pode ser cheia de senhas. No momento em que se percebe uma rigidez excessiva, o melhor a se fazer é manter a calma, pois quem está oferecendo a resistência pode estar atrapalhada emocionalmente”, recomenda.
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É fundamental cuidar com o julgamento nessas horas. Algumas reações podem ser defesas usadas pelo indivíduo para não acessar a realidade e entrar em colapso. Ou seja, a maneira com que a pessoa reage não significa que a pessoa esteja sofrendo ou não.
Atenção para os limites
Bruna ressalta a importância de cada um conhecer seus limites. Isso vale tanto para o trabalho, como para o voluntariado e até mesmo para o consumo de informações. Ela alerta que as pessoas não podem ficar alienadas, mas o excesso de exposição a conteúdos sobre a catástrofe pode causar mal-estar. A sugestão da psicóloga é filtrar o tipo e a quantidade de informações às quais se expõe. Identificar se algum assunto a sensibiliza mais (como histórias de animais, crianças ou idosos afetados) e evitar seu consumo:
“Se aquele texto, vídeo ou foto abala o sujeito, sugiro que não olhe. Uma coisa é ter solidariedade e sentir pesar com a situação, outra é se contaminar com temas que não vão ajudar, somente fragilizar mais. Até porque sabemos que há muita informação desnecessária e que vem somente para gerar mais medo. É preciso se priorizar. Ainda temos muito trabalho pela frente.”