“Percebi cedo na minha vida que a comunicação facilita nossos relacionamentos ou os torna um inferno. Ela é muito mais do que emitir palavras, é criar ligações.” É dessa maneira simples e poderosa que Carla Rocha, professora e CEO (Chief Executive Officer) da Carla Rocha Communication, define a relação entre comunicação e saúde mental.
Miguel Capelão, professor e CCO (Chief Culture Officer) na PHC Software, sustenta que, na questão de saúde mental, é particularmente grave quando a comunicação não funciona: “ela é o pilar fundamental de quase tudo o que queremos fazer, desde as coisas mais simples às mais complexas.”
Na visão de Rocha, a comunicação contribui para nos sentirmos muito bem ou muito mal, independentemente da esfera em que estamos, seja pessoal, profissional ou familiar. “A comunicação é toda a energia que promovemos à nossa volta. Isso afeta claramente a saúde mental, porque a qualidade das nossas relações e a forma como interagimos se reflete nisso.”
Ela realça que é preciso entrar nas conversas com curiosidade, e não com a mentalidade somente de ter razão, criticar ou destruir ideias. “Estar com o espírito aberto para entender o outro faz a diferença”, destaca.
Perguntar para comunicar
A sociedade mudou. E a comunicação também. Já não existe (ou não deveria existir) a premissa “o chefe manda, os funcionários obedecem”. Nessa caminhada, o diálogo é o rei da vez. E as perguntas, as rainhas. “Precisamos falar menos e questionar mais. É necessário ouvir mais – e as perguntas são uma boa forma de fazê-lo, porque quando indagamos, estamos genuinamente ouvindo o outro, não estamos preocupados em dar a nossa opinião”, pondera Rocha.
Através das perguntas, temos condições de pensar sobre a maneira com que comunicamos, damos feedbacks e gerenciamos conflitos. Ela é produtiva, gratificante e causa ganhos, ou destrutiva e negativa, com o objetivo de humilhar as pessoas?
A professora atesta que é através da comunicação que mostramos quem somos. Com ela, também conseguimos tirar o pior ou o melhor do outro. De acordo com Rocha, quando comunicamos, pretendemos transmitir uma informação, apelar para uma ação e despertar algum sentimento. É essencial que isso esteja na nossa cabeça na hora de comunicar. Ela compartilha uma máxima de três perguntas a serem feitas no momento da comunicação:
1) O que eu gostaria que a pessoa soubesse em relação ao assunto que vou comunicar?
2) O que eu gostaria que ela fizesse?
3) O que eu gostaria que ela sentisse?
“Ganhar consciência sobre o que dizemos e a forma como dizemos causa impacto no outro é meio caminho andado para mudarmos algo em nós – o que é desejável, se quisermos uma sociedade mais colaborativa e menos polarizada”, clama a professora.
Treinar comunicar para comunicar bem
Capelão certifica que é viável lograr essa mudança através do treino. Segundo ele, o resultado chega quando as pessoas desenvolvem a capacidade de comunicação eficiente, voltada para bem-estar e saúde. “Mas não podemos ter a ilusão de que faremos um curso e a transformação acontecerá na hora. Qualquer evolução de cultura leva tempo – e a comunicação é uma questão cultural. Muitos aspectos são questão de hábito, que demora para se criar”.
A forma de comunicar tem de estar altamente integrada e ser contemplada em um programa estruturado, pontua o professor. Essa educação deve ser contínua, com repetição em formatos diferentes: “somente assim, trabalhando técnicas como comunicação autêntica e não violenta, além de vetores como mindfulness, alimentação saudável, exercícios físicos, otimismo e diversos outros componentes que nos geram energia física e psíquica, é que alcançaremos a união entre comunicação e saúde mental.”
Camila Lustosa, especialista em Endomarketing e sócia-fundadora da Santo de Casa Endomarketing, afirma que “além dos treinamentos, promover um acompanhamento mais próximo junto a quem apresenta menos desenvoltura na comunicação é uma ação determinante para o sucesso da comunicação – da liderança, principalmente”.
Autoconhecimento e gestão emocional para aliar comunicação e saúde mental
“Infelizmente, muita gente tem dificuldade em gerir o que chamamos de quociente emocional. E somente reagem. Nas empresas, onde o ritmo é acelerado, ainda há uma tendência mais agravada disso”, analisa Capelão. Para Rocha, comunicação e saúde mental passam a ser aliadas quando há autoconhecimento do comunicador. Só assim ele consegue identificar suas vulnerabilidades e pontos de melhoria.
Uma capacidade obrigatória para que comunicação e saúde mental trabalhem juntas é a gestão emocional. Capelão constata que a falta dela é a base dos problemas de saúde mental. “Como eu digo, as pessoas ficam naquela máquina de lavar, metidas em uma espiral negativa, e não conseguem olhar para a dificuldade como uma oportunidade estimulante”, lamenta. Mas ele garante que mudar essa mentalidade é questão de treino.
LEIA NA ENDOSFERA SOBRE EMOÇÃO NA TOMADA DE DECISÃO
Rocha salienta que ter consciência de que nossas emoções são de nossa responsabilidade muda a abordagem frente às situações. Isso porque, quando nos deparamos com desafios, nossa primeira reação é agredir – é o mais fácil.
Segurar o impulso e planejar a conversa, tomando notas sobre os pontos a se discutir para entender a raiz do problema, costuma apaziguar uma postura mais agressiva. “Essa é uma técnica que não é fácil de aplicar, pois é contraintuitiva, mas ela é capaz de aliviar o tom acusatório, dando bases para desenvolver uma comunicação produtiva”, explica.
A regra dos cinco minutos
Uma das técnicas que Capelão ensina a seus colaboradores é não externar as primeiras impressões logo de cara. Em suas mentorias, propõe a chamada “regra dos cinco minutos”. Esse artifício tem potencial para ser aplicado em qualquer conversa – seja pessoal ou profissional.
Por exemplo, em uma reunião entre líder e colaborador, no primeiro momento, somente o colaborador fala. Sem contrapontos, questionamentos ou qualquer outra interrupção. Em seguida, invertem-se os papeis.
Capelão assegura que os ganhos com essa prática são inúmeros. Primeiro, o simples fato de ficarmos calados facilita que nos dediquemos à escuta ativa. Em segundo lugar, os instantes que decorrem entre o início e o fim da explanação permitem que nosso cérebro elabore melhor os elementos.
Como aponta Rocha, “o ser humano, por natureza, é reativo. Tomamos muitas decisões no calor no momento”. Este intervalo é importante para que possamos ter uma resposta mais construtiva e desenvolva uma comunicação benéfica à saúde mental.