Se a cultura organizacional fosse um algoritmo, ela rodaria silenciosa nos bastidores, orientando escolhas e moldando comportamentos sem que ninguém perceba. Mas, ao contrário de um código imutável, ela é viva. É algo dinâmico e que se retroalimenta a partir do que cada pessoa traz da sua vida para dentro da empresa e da forma como elas interagem com o universo da empresa. “Ao mesmo tempo em que a cultura influencia as pessoas, foram elas quem a criaram e consolidaram”, analisa Camila Lustosa, cofundadora da Santo de Casa Endomarketing, no quarto episódio do EndosferaCast.

Afinal, é cultura organizacional?

A cultura é mais do que um conjunto de valores, crenças e ritos comuns dentro de uma empresa. “Ela define as regras do jogo, orienta o comportamento social e estabelece o que é aceitável ou não dentro daquele contexto organizacional”, explica Patrícia Martins Fagundes Cabral no mesmo podcast. Segundo a pesquisadora e professora da Unisinos, cultura é a personalidade da organização, enquanto clima se refere a seu humor momentâneo. Enquanto o clima pode oscilar, a cultura tem raízes mais profundas.

patricia
Patrícia Martins Fagundes Cabral no EndosferaCast

Mais do que um conceito abstrato, a cultura organizacional se traduz em ações diárias. Imagine uma empresa onde centenas de colaboradores tomam centenas de decisões ao longo do dia. Qual é a prioridade: velocidade ou precisão? Inovação ou segurança? Essas escolhas, muitas vezes intuitivas, são um reflexo direto da cultura. No programa “Cultura organizacional: a alma das empresas”, Mariana Andrade, consultora e cofundadora da Nexo, compara esse processo a um algoritmo: “ele organiza uma rede complexa de razões e emoções e guia cada atitude dentro da organização.”

Mariana Andrade participou remotamente da gravação
Mariana Andrade participou do podcast de maneira remota

A coerência desse sistema aparece sobretudo quando se está diante de dilemas éticos, em situações novas que se apresentam e é preciso escolher um caminho. “A hesitação acontece quando não se sabe os procedimentos da organização e se está diante de algo que requer uma resposta veloz, mas há uma grande margem de incerteza. É preciso ter a coragem moral de se posicionar”, enfatiza Patrícia. No C-Level, isso acontece frequentemente. Por isso, compreender a cultura e ter claro os parâmetros que organizam a identidade do negócio é essencial.

A cultura come mesmo a estratégia?

O que vem primeiro, cultura ou estratégia? Ou seria o propósito? Esse é um tema que gera debates. Nas centenas de organizações que atendeu ao longo de quase duas décadas, Camila observa que primeiro existe um desenho de estratégia para que, depois, venha uma formulação de cultura (que é a forma com que a empresa quer conduzir a chegada a seus objetivos).

Na visão de Mariana, a estratégia vem primeiro e a cultura está a seu serviço. Para ela, a estratégia é como se fosse uma bússola. A cultura, o barco que leva a organização até o destino desejado. Os líderes são os capitães, que trabalham para que todos estejam remando no ritmo e na direção certos.

A consultora inclusive discorda da célebre frase atribuída a Peter Drucker, de que “a cultura come a estratégia no café da manhã.” Mais adequado, conforme ela, seria dizer que uma cultura alinhada é o boost da estratégia. Contudo, também pode funcionar ao contrário. Quando não há uma estratégia clara, os esforços são menos eficientes. Mariana enfatiza que “a falta de uma boa estratégia faz a cultura sofrer, porque as pessoas ficam perdidas e cada uma vai para um lado”.

Em contrapartida, Patrícia pondera que, em companhias jovens, a estratégia pode vir antes. Já em instituições centenárias ou públicas, em que as diretrizes mudam periodicamente, a cultura costuma ser o pilar mais sólido. A estratégia tem um locus temporal, mas sempre precisa dialogar com princípios da organização. “Quando falamos de cultura, falamos da expressão de um propósito”, sintetiza a professora.

A Santo de Casa, por exemplo, tem a mesma missão desde sua fundação, há 18 anos: “transformar empresas em lugares melhores pra se trabalhar”. O que mudou foi a forma de concretizar esse propósito, ou seja, a estratégia.

Existe certo e errado?

Apesar de não haver certo e errado ao se tratar de cultura organizacional, algumas premissas fundamentais (como respeito) não são negociáveis. Quando a cultura não as estabelece de forma clara, abrem-se brechas para problemas como assédio e exploração. “Nesse sentido, a cultura pode consumir a estratégia e prejudicar sua consecução”, reforça Camila.

Camila Lustosa é a âncora do EndosferaCast

Por isso, às vezes, mesmo o óbvio precisa estar formalizado para garantir que práticas inaceitáveis não sejam toleradas. Assim, não há abertura para comportamentos indesejados. A própria Santo de Casa pode ser usada para ilustrar essa postura. Um de seus valores é “Integridade”. Ele estabelece que “atuamos de forma ética, confiável e legal, sempre praticando a transparência e coerência em nossas relações externas e internas.” Isso é óbvio. Mas, por ser inegociável, precisa ser oficializado.

Esta camada da ética e das leis é a primeira na estrutura da cultura. A outra é da identidade e do jeito de ser da empresa. Segundo Mariana, ela é influenciada pelo core do negócio, sua fundação, localização geográfica e diversos outros fatores.

A consultora defende uma arquitetura cultural simples. Para que a organização não fique confusa, é preciso que os tomadores de decisão façam escolhas. “Existe a tendência de querer tudo: uma empresa rápida e perfeita, ou inovadora e avessa a riscos… mas sempre vai faltar alguma coisa. As conversas importantes precisam acontecer para que se defina o que a organização quer pedir para as pessoas”, argumenta.

Como comunicar a cultura organizacional

De nada adianta definir uma cultura organizacional se ela não for comunicada de forma eficiente. Ela precisa estar bem redigida para que haja clareza de qual a postura desejada diante de determinadas situações. De acordo com Mariana, “a forma simples de comunicar é uma tendência”. De nada adianta as pessoas passarem mais tempo tentando diferenciar visão e ambição e memorizando diversos valores ao invés de refletir sobre o que realmente importa na cultura organizacional.

Além da simplicidade, também é preciso coerência (outro valor da Santo de Casa) e autenticidade. Valores não podem ser apenas palavras nas telas, nas paredes ou no papel – precisam estar presentes no dia a dia da organização. E é nesse ponto que a comunicação se torna estratégica: reforçar constantemente os pilares da cultura organizacional, garantindo que ela seja compreendida e, acima de tudo, respeitada.

A cultura organizacional não é um conceito estático, mas um reflexo contínuo das interações dentro da empresa. Para que seja forte, precisa ser cultivada, ajustada e vivida por todas as pessoas que fazem parte dela. Afinal, é esse elemento invisível que determina o que realmente acontece dentro de uma organização.

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