“Imagine o lugar mais incrível, onde você pensa melhor, se sente fantástico, onde sua mente expande e você faz sua melhor produção. Este lugar é onde você trabalha?” Com essa provocação do arquiteto Tye Farrow somos levados a pensar sobre as condições em que laboramos. O design salutogênico é uma proposta que busca desenvolver espaços para aumentar nossa capacidade de pensar, criar e nos conectar com outros. Em suma, ser mais saudáveis.
O design salutogênico
“Design é basicamente tudo o que criamos intencionalmente para os humanos”, explica Ana Woitchy, arquiteta especializada em arquitetura hospitalar. Baseado na salutogenia (área que estuda a promoção da saúde), o arquiteto e professor Alan Dilani propôs o Design de Apoio Psicossocial nos anos 1990. Com essa teoria, os ambientes também passam a promover a saúde, a atenuar o estresse, a erradicar a ansiedade e a apoiar o processo de cura.
Também conhecida como Design Salutogênico, ou Arquitetura Salutogênica, essa proposta introduz conceitos da salutogênese, como o Senso de Coerência, à maneira em que vivenciamos os ambientes – que podem ir desde uma casa à uma cidade. Sem esses critérios no espaço, lidar com o estresse se torna mais difícil. O professor dá exemplos de como eles podem ser aplicados:
- Senso de compreensão – As pessoas devem ter um entendimento sobre o espaço, com conhecimento e informações suficientes. Sinalização, por exemplo, é fundamental.
- Senso de gerenciamento – Os usuários precisam ter controle, autonomia e independência sobre o espaço. Por exemplo, saber (e poder) manipular janelas, luz e temperatura. É preciso prover recursos necessários para que as pessoas completem suas tarefas.
- Senso de significado – Tudo o que for feito deve ser, de alguma maneira, recompensador para o cérebro. Arte, natureza e objetos pessoais são estímulos para a saúde.
Multidisciplinaridade para entender o impacto dos espaços
Para atingir todos esses quesitos, é preciso trabalhar com uma equipe multidisciplinar. “O problema da arquitetura é que, muitas vezes, achamos que podemos construir sozinhos. Mas quando projetamos um zoológico, e não sabemos como os animais vivem, chamamos veterinários e especialistas em diversas áreas para nos ajudar a entender o comportamento deles. Por outro lado, com edificações pensadas para humanos, raramente fazemos isso. Precisamos interagir mais com sociólogos, psicólogos, ecologistas, neurocientistas e outros profissionais para entender o impacto das construções na saúde e no comportamento das pessoas”, reflete Dilani.
“É preciso projetar espaços de trabalho com as pessoas em mente”
Segundo Farrow, “o lugar de trabalho é, supostamente, onde devemos ter nossas melhores ideias. O espaço precisa ser um acelerante máximo para a performance. Mas muitos dos ambientes são o oposto daquele lugar incrível que você imaginou. Nada ajuda, nem o espaço, nem a luz, nem os móveis, nem a vista.”
Dilani destaca que a salutogenia nas organizações vai além do design: ela está nas lideranças, que precisam encontrar a prioridade mais saudável, e focar não somente na performance, mas na saúde e bem-estar dos colaboradores. Enfim, ter uma filosofia e uma cultura salutogênica. “Nosso capital intelectual são as pessoas trabalhando nas organizações. Gastamos bilhões em educá-las, e, muitas vezes, as tratamos de maneira inapropriada”, pondera.
LEIA AQUI SOBRE OS PRINCIPAIS PROBLEMAS DAS EMPRESAS
Ele acredita que as companhias precisam dar condições adequadas a seus colaboradores e estimular seus cérebros através do design. “É um investimento único, com retorno em aproximadamente três anos e impacto por cerca de trinta”, garante. Segundo ele, é preciso projetar espaços de trabalho com as pessoas em mente, identificando suas necessidades e sempre levando em conta a compreensibilidade, a gerenciabilidade e o significado. O objetivo é fazer com que os colaboradores, ao sair do local de trabalho, pensem “eu adoraria voltar aqui assim que possível”.
Caso a companhia não crie esse sentimento, seus colaboradores têm menos chance de serem criativos e produtivos. Além disso, o ambiente de trabalho influencia muito na imagem da empresa. Ele representa a marca, tanto para o público interno como para o externo. E eles precisam sentir os valores da organização refletidos do ambiente.
O impacto na vida das pessoas
De acordo com a médica e pesquisadora Esther Sternberg, existe uma parte do cérebro cheia de endorfinas que reconhece vistas bonitas – e nossas preferidas são de natureza. Elas melhoram nosso humor, segundo estudos científicos. Um deles aponta que pessoas que enxergavam árvores de suas janelas tiveram mais interações positivas com os vizinhos e menos comportamentos agressivos. Outro mostra que pacientes com vista para um arvoredo se recuperaram de cirurgia em média um dia mais rápido e tomaram menos remédios do que aqueles que tinham vista para uma parede.
LEIA AQUI O ARTIGO SOBRE EMOÇÃO NA TOMADA DE DECISÃO
Reações fisiológicas são causadas pela exposição da mente a certos estimulantes. “Quando vemos algo bonito, a pressão arterial, o ritmo cardíaco e a ansiedade diminuem”, afirma Dilani. O design salutogênico, inclusive, ajuda a evitar doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão, cânceres, diabetes, entre outras. Essas enfermidades estão relacionadas ao estilo de vida, e podem ser prevenidas através de comportamentos saudáveis.
A qualidade do ar também impacta diretamente na vida das pessoas, como destaca Eleonora Zioni, Coordenadora da Pós-Graduação de Arquitetura Hospitalar do Hospital Israelita Brasileiro Albert Einstein. Ela cita uma pesquisa que aponta o declínio na cognição de trabalhadores em um espaço sem ventilação em função do aumento dos níveis de CO2. “O ar parado e saturado diminui a oxigenação das pessoas. Essa é uma das razões pelas quais nos sentimos prostrados depois de uma reunião ou palestra longa em um ambiente fechado”, explica ela. A solução é simples: abrir janelas ou instalar ar-condicionado com damper e sistema automatizado, que medem os níveis do ar e o renovam.
Design salutogênico aplicado
Para fazer um espaço salutogênico no meio organizacional, a empresa precisa conhecer bem qual a função de cada pessoa. Isso porque expô-la a elementos desnecessários à sua rotina pode causar estresse e sobrecarga.
Woitchy cita algumas pequenas melhorias baseadas no design salutogênico que podem fazer uma grande diferença:
- Sinalização – indicar os caminhos, onde ficam escadas, bebedouros, locais de reunião, cozinha, lixeiras… Deve-se evitar salas escondidas, que ninguém sabe para o que servem, pois causam desconforto.
- Visualização – saber onde estão as tomadas, manter materiais de escritório acessíveis e organizados em nichos (e não fechados em armários)
- Cuidado com o super estímulo – deixar à vista somente o que é pertinente no dia a dia daquelas pessoas para não causar confusão.
A arquiteta aponta também para a importância de ambientes de descompressão. “Esse é outro conceito novo, que surgiu na pandemia, muito em função do burnout”, contextualiza. Esses espaços, individuais ou coletivos, servem para atenuar o estresse e descontrair. Neles, os colaboradores podem dormir, jogar, comer, conversar, descansar, relaxar, etc.
Márcia Fernandes, especialista em arquitetura hospitalar, salienta a importância de utilizar a consultoria de profissionais. “Cada espaço (e cada pessoa) tem sua necessidade específica, e é preciso estudar essas peculiaridades. É por isso que dizemos ‘não existe arquitetura cara, existe arquitetura errada’” reflete.
Zioni se classifica – e a seus pares – como uma “médica de ambientes”: “Quando estamos doentes, consultamos um especialista, não saímos por aí comprando qualquer remédio”, compara. E esses “médicos de ambientes” diagnosticam, entre outros, seis aspectos fundamentais de conforto humano:
- Térmico
- Acústico
- Lumínico
- Visual
- Ergonômico
- Olfativo
E o design salutogênico no home office?
É impossível negar a possibilidade do trabalho remoto, especialmente na era pós-pandêmica. Por isso, mesmo nos ambientes de trabalho instalados em residências, é benéfico acrescentar elementos do design salutogênico – e sem necessariamente fazer grandes investimentos. “A arquitetura deve nos servir, e ela não existe só para quem gasta milhões”, ressalta Woitchy.
Ela recomenda espaços com personalidade, que traz motivação. Objetos pessoais à mostra atenuam o estresse, pois remetam a paixões, hobbies e pessoas queridas. O contato com a natureza também é fundamental, e isso quer dizer mais do que apenas colocar uma plantinha na mesa. “É ter contato com o dia, com a luz natural, notar o tempo passando. Sentir o vento, o barulho da rua, perceber que a vida está fluindo lá fora, reparar os pássaros, as pessoas…” Ambientes muito silenciosos também são estressantes, pois remetem à solidão e se perde o senso de comunidade.
No caso de impossibilidade do aproveitamento da luz natural, ela sugere uma iluminação que se possa controlar temperatura e intensidade, para simular o ciclo do dia. Outro recurso é usar elementos que se assemelham à natureza, imitando madeira, rocha, vegetação. “É uma enganação da mente, mas funciona”, celebra.
Farrow volta à pergunta “onde você faz seu melhor trabalho e tem seus melhores pensamentos?”. Se não for possível estar nesse lugar todos os dias para produzir, ele aconselha pensar nas suas qualidades e características e replicá-las no seu espaço.
O impacto na vida das corporações
Por ser uma proposta nova, com aproximadamente 30 anos, conceito de design salutogênico ainda é mais teórico do que prático. Contudo, os efeitos de mudanças pontuais já podem ser percebidos. Um deles, apontado por Dilani, é a atração de novos profissionais e retenção de talentos.
O professor também cita uma pesquisa que aponta para o lucro através da melhora nas condições de saúde e produtividade após investimentos e mudanças no espaço físico da IBM. A empresa investiu U$ 186 mil em ergonomia, passando por educação, mudanças no espaço de trabalho e de diversos equipamentos. Essas alterações contribuíram para posições de trabalho mais adequadas, melhor luz e níveis menores de ruído. O resultado foi a diminuição em 19% das licenças médicas, com a geração de U$ 68 mil de lucros anuais. Além disso, os ajustes contribuíram para uma maior produtividade e qualidade do trabalho, que levaram a um lucro anual de U$ 7,4 milhões.
Já o relatório Impacto Global do Design Biofílico no Espaço de Trabalho aponta que colaboradores que trabalharam em ambientes com elementos de design biofílico (que traz a natureza para o espaço) foram 6% mais produtivos do que aqueles sem elementos naturais no seu ambiente. Contudo, 58% dos entrevistados não tinham plantas no escritório e 47% não tinham luz natural.
Em termos orçamentários, Farrow garante que um projeto de design salutogênico requer a mesma verba que um projeto arquitetônico tradicional. A diferença está no foco do ambiente que será criado: “Pensamos em um lugar com condições para as pessoas prosperarem e aumentarem sua performance.”
Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (Foto: Ana Woitchy) Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (Foto: Ana Woitchy)