Quando você pensa em dinâmica de grupos, o que você imagina? Pessoas em uma sala fazendo alguma atividade coletiva em um processo de seleção ou em outro momento proposto pelo RH? Ok, você lembrou do conceito mais popular, que é a técnica.
Mas existe um outro conceito, que está ligado ao funcionamento dos grupos, como eles se movimentam, como as coisas acontecem de um modo vivo. E pode ajudar as organizações a resolverem problemas como a falta de visão sistêmica dos seus colaboradores.
No que consiste a dinâmica de grupos?
A dinâmica de grupos é um campo de conhecimento que envolve ciências sociais, ciências políticas, psicologia, entre outras disciplinas. Ela observa três elementos principais: motivação, identificação e comunicação. O processo grupal ajuda a identificar a complexidade daquele conjunto de pessoas, em que momento ele está, qual o nível de desenvolvimento dos elementos e o que eles indicam sobre a maturidade do grupo.
Passa-se a estudar como são as relações, além de como os papéis são ocupados e exercidos. “A dinâmica de grupos se refere à vida e à alma do grupo”, resume Isabel Doval, psicóloga membro do conselho deliberativo da Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos (SBDG).
A construção das relações
Quando as pessoas chegam em um grupo, elas entram com o que são, com suas expectativas e necessidades, e esperam que aquele meio e seus representantes correspondam a elas. É preciso conciliar nossos interesses próprios e os desejos dos outros. O exercício a se fazer é decidir ficar de fora e não se vincular a ninguém, sem se preocupar com a necessidade dos outros, ou desenvolver a capacidade de negociar, fazer trocas e escolhas.
Quando se entra em um grupo novo, o ponto de partida é construir a relação. Isabel explica que “é necessário identificar o que há naquele grupo além da possibilidade de satisfação imediata. Essa pergunta coloca na balança o que se perde caso se assuma uma posição polarizada de ter tudo ou nada.”
Gestão: os papéis na dinâmica de grupos
Na dinâmica de grupos, as pessoas desenvolvem papéis estruturais e fundamentais. É essencial reconhecê-los e perceber que eles não são isolados, mas têm relação com o todo. Compreender isso afeta o funcionamento do grupo e seu desenvolvimento.
É vital que esses papéis circulem e não fiquem concentrados em uma pessoa só. Isabel defende que “as pessoas precisam criar a capacidade de estar em papéis diferentes. Isso dá mobilidade na equipe.” Além disso, ela não fica dependente de somente uma pessoa. Os outros também precisam ser capazes de desempenhar aquela função.
Às vezes, as lideranças tendem a ser mais práticas, encaminhando determinadas situações para somente uma pessoa. “Em uma urgência, é legal saber quem é bom em cada coisa, porque não se tem muito tempo. Mas é importante que outros também se exercitem, mesmo que demorem mais. Se faltar a pessoa de referência, existe outra apta para exercer aquele papel”, explica a psicóloga.
Conheça alguns desses papéis delineados pelo psicanalista Pichon-Rivière e, se você é gestor, como lidar com cada um deles:
Líder Um papel indispensável que tem funções diferentes dependendo do nível de desenvolvimento do grupo. Se as pessoas estão mais regressivas e resistentes às normas, essa liderança precisa se posicionar com firmeza. “Isso não é autoritarismo, às vezes é o cuidado necessário. Acolhimento também é posicionamento firme, não é só posicionamento fofo”, compara Isabel. É alguém imprescindível que organiza minimamente e dá uma estrutura para que a tarefa possa ser realizada. Em um grupo mais imaturo, isso representa uma figura importante para que ele desenvolva suas próprias capacidades de reconhecer e estabelecer limites. Em grupos mais maduros, é a posição de quem sinaliza quando algo parece ter saído do caminho. |
Bode-expiatório Por características próprias e necessidade do grupo, quem está nesse papel é responsabilizado por tudo de ruim que acontece. Ele assume a culpa de problemas e dificuldades enfrentadas por todos. Quando o grupo busca em quem depositar suas responsabilidades e alguém se oferece para isso, o todo fica dissociado, com a crença de que o mau está em um ponto específico e o bom está com o restante. A fantasia é que, ao excluir esse elemento, tudo se resolve. É a famosa expressão “maçã podre”. “É fundamental reconhecer essa ‘maçã’ e promover que o resto do grupo veja o que tem de seu depositado ou projetado naquela pessoa”, aponta Isabel. Não é somente ela que não sabe, é irresponsável ou incompetente. É crucial identificar qual a parte de cada um na relação com ela e no resultado das coisas. Isso porque, se essa pessoa faz parte do grupo, tem relação com os demais. “O bode é uma solução imediatista. Achamos que nos livramos do problema, mas ele continua ali, já que era só um depositário das coisas ruins. Mas isso não funciona e cria instabilidade e tensão no grupo”, analisa Isabel. Inconscientemente, as pessoas sabem que aquela não era a origem do problema, e têm medo de serem as próximas a ocupar esse papel, pois estariam fadadas a serem excluídas também. Essa situação pode até gerar desligamentos injustos. |
Porta-voz Quem está nesse papel fala pelo grupo. Geralmente é uma pessoa mais desembaraçada e com facilidade de comunicação. Como sempre fala dentro do grupo, a responsabilidade de falar por ele também se concentra nela. Ou seja, o discurso daquele indivíduo passa a ser não só dele, mas de todos. Isso também é um jeito de liderar. É primordial pensar em que efeito isso tem no coletivo, já que os outros ficam sem a possibilidade de se manifestar. “Uma estratégia interessante é estimular que todos coloquem seus pontos de vista e percepções”, ressalta Isabel. Ao mesmo tempo, os outros podem preferir não falar, pois assim estão se comprometendo menos com o efeito daquilo que é dito e não correm o risco de errar. O que opina por todos alivia a pressão dos demais. |
Coordenador Enxerga o todo e busca sempre manter o foco do grupo na tarefa. Quando acontece uma intercorrência que faz as pessoas perderem de vista o que estavam fazendo, reorienta todos para voltarem a realizar aquilo que se havia proposto. É um outro tipo de liderança. Ele mantém o vínculo inicial, mesmo em épocas de crise, mas não ignora os desafios do grupo. Isabel destaca que “nesses últimos tempos, de um período de muita insegurança, quem reconheceu alguém com esse papel e manteve essa pessoa na sua equipe, certamente garantiu coisas importantes não só nas entregas, mas também ambientes mais saudáveis, apesar das incertezas.” |
Visão sistêmica
É imprescindível perceber que há tarefas que precisamos realizar, mas que sozinhos não podemos cumprir. Todos precisam da ajuda dos outros em algum momento. E aí que, em uma organização, entra a visão sistêmica. É necessário colocar nossas necessidades dentro de um contexto, saber que teremos que negociar, e até mesmo renunciar alguns desejos.
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Se o sujeito não tem a maturidade e a condição de se reorganizar diante das situações que se apresentam – e aprender com elas – é impossível que ele tenha uma visão sistêmica. É preciso que aconteça o desenvolvimento de sair de seu lugar original (em que só percebe a sua necessidade) para se dar conta de que existem outras coisas acontecendo (e outras pessoas com necessidades).
“Isso deve ser trabalhado e promovido dentro da organização, caso contrário não existirá base para se ter uma visão sistêmica. Ela dá a possibilidade de emprestar diferentes competências para uma mesma finalidade e chegar a uma condição que individualmente não é possível. A entrega só é alcançada porque ela é realizada coletiva e sistemicamente”, finaliza Isabel.
Visão sistêmica como parte da cultura
Para que a instituição não se limite a uma visão linear, a visão sistêmica é uma questão estratégica e precisa ser promovida. Existem meios planejados e organizados para que isso aconteça. Eles incluem uma política vigente de investimento em desenvolvimento por parte do RH e o exercício pela liderança no dia a dia.
“Isto é uma função que deve orientar as ações do RH. E, como valor, também deve fazer parte da visão dos líderes dessa organização”, analisa a psicóloga. Por exemplo, não se trata só de resolver um problema, mas examiná-lo, entender como se chegou àquela situação, pensar qual a repercussão das soluções encontradas. Enfim, aprender com aquela situação. Ela afirma que essa abordagem “desenvolve o pensamento de que as coisas não são estanques ou unidimensionais”.
A visão sistêmica precisa fazer parte da cultura e ser desenvolvida como um valor dentro da empresa. Segundo Isabel, “o primeiro passo é estimular que as pessoas pensem de uma maneira menos imediatista”. Dessa maneira, se dá respaldo que, ao se deparar com uma situação, elas façam uma leitura do contexto e considerem perspectivas a longo prazo.
Essa lógica deve ser aplicada tanto no desenvolvimento individual (quando alguém olha para sua própria carreira) como organizacional (quando a empresa olha para o que precisa ser feito a nível de equipes). Os colaboradores precisam estar conscientes de que aquilo que eles fazem é parte de algo maior.
“Não encontrar a relação daquilo que cada um faz com o que a empresa entrega para a sociedade é o sintoma mais evidente da falta de visão sistêmica”, aponta Isabel. Ela ainda acrescenta que enxergar essa relação faz toda a diferença no posicionamento, na responsabilidade e no valor que a pessoa dá para seu próprio trabalho.