Ao longo da nossa vida e da nossa carreira, passamos por diferentes situações que exigem escolhas importantes. A habilidade de tomar decisões é imperativa para o exercício da liderança, para o trabalho em equipe e inclusive para o autogerenciamento. É fundamental estar consciente sobre a emoção na tomada de decisão, pois, ao contrário do que muitos podem pensar, todas as nossas escolhas são tomadas com base em jornadas emocionais.
“A emoção é o motor do comportamento”, resume Carla Tieppo, neurocientista, professora, sócia-fundadora e CEO da Ilumne Consultoria. Ela afirma que o processo de decisão é um processo emocional.
As jornadas emocionais
Tieppo deixa claro que não existem emoções positivas ou negativas, mas, sim, que têm valências positivas ou negativas. Porém, ela ressalta que a forma com que a sociedade vê a emoção dificulta o entendimento desse processo: “O ideário semântico leva as pessoas a pensarem em afeto, subjetividade. Mas, do ponto de vista do sistema nervoso, a emoção é um sistema de atribuição de valor.
Ele está o tempo inteiro avaliando os estímulos para elencar quais experiências devem ser buscadas novamente no futuro (as com valências positivas), e quais devem ser evitadas (as de valências negativas). Quando compreendemos isso, percebemos a importância da emoção na tomada de decisão: ela baliza o aspecto mais básico da escolha, que é o quanto ela afeta nossa percepção sobre aquela experiência”.
Emoção na tomada de decisão
O neurocientista António Damásio garante que “é impossível ter a lógica e a razão aplicadas se não houver também a inclusão da emoção e do sentimento dentro da solução do problema”. Tieppo vai além: “Buscamos justificativas para apaziguar nossa racionalidade, mas a emoção já tinha decidido o que queria.”
Não é a emoção em si o que nos faz escolher uma coisa ou outra, mas o delta emocional, ou seja, a diferença de valor que damos àquele estímulo ou experiência no fim da jornada. Por exemplo: uma pessoa pode não estar pensando em trocar de celular neste momento. Chega a Black Friday e ela percebe que pode ter uma vantagem financeira ao fazer a compra, saindo do estado neutro e gerando emoções de valências positivas. O resultado é um delta emocional positivo, o que leva o indivíduo a fechar o negócio.
Contudo, se, na semana seguinte, ele encontra o mesmo equipamento por um menor preço, isso gera emoções de valências negativas, resultando em um delta emocional negativo. “Nossa impressão emocional é sempre relativa. Ela depende da diferença da expectativa e da realidade”, esclarece Tieppo.
Independentemente da escolha, as etapas da tomada de decisão são parecidas:
- Percepção de um problema ou oportunidade (no caso de problema, iniciamos de uma valência negativa)
- Coleta de dados sobre a situação (que já parte de uma crença anterior)
- Reconhecimento de prós e contras (nossa tendência é atribuir valência positiva a opiniões semelhantes à nossa ou evidências que corroborem nosso ponto de vista, e valência negativa a tudo o que é contrário ao que acreditamos – o chamado “viés de confirmação”)
- Tomada de decisão e acompanhamento de resultados (com a esperança de constatar uma valência positiva ao fim da jornada)
“Quanto mais as pessoas entenderem como é que, nas suas decisões, pesam certos fatores, mais será possível tomar decisões sensatas”, certifica Damásio. Por essa razão, é primordial que os tomadores de decisão conheçam o viés de confirmação para chegar a uma escolha equilibrada. Eles precisam ficar alertas à inclinação de procurar informações que ratifiquem suas opiniões e descartar posicionamentos antagônicos à escolha que tem uma maior valência emocional.
Geralmente pesamos prós e contras e até ponderamos sobre a emoção na tomada de decisão, mas não pensamos a partir da valência emocional, nem percebemos que estamos dando um valor maior a uma coisa do que a outra. Tieppo recomenda que “se o indivíduo não consegue equalizar a valência emocional das opções, a solução é buscar gente que pense diferente, e que apresente dados apoiando novas ideias – por isso a diversidade nas organizações é tão importante.”
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As emoções como fonte de informação
“As pessoas acham que inteligência emocional é controle emocional, é sumir com as emoções, aniquilá-las. Quando, na verdade, o caminho é o gerenciamento desses dados. Porque a emoção é um dado. Um dado de atribuição de valência. Por isso, a perspectiva do controle emocional é ruim, porque não estaríamos usando a emoção a nosso favor. Ela é um dado de como nós estamos nos relacionando com o meio, e quando negligenciamos esse sinal biológico, estamos negligenciando nossa percepção sobre aquela vivência. Se não olharmos para as emoções, perdemos esse balizador”, reflete Tieppo.
Prestar atenção ao nosso humor é essencial para o autoconhecimento. Ele se forma a partir da liberação de neurotransmissores e outros hormônios, que forma uma espécie de síntese das emoções e daquilo que estamos vivendo. O sistema emocional elabora o que está acontecendo e manda sinais para o tronco encefálico (uma região primitiva do ponto de vista evolutivo), provocando um tônus de liberação de determinadas substâncias, como cortisol, dopamina e adrenalina, que são necessários para nossa energia.
“Precisamos saber por que sentimos o que sentimos. O ser humano é um ser consciente – ele sente e pensa sobre o que sente. A grande inteligência emocional é poder ler essas emoções, identificá-las e usá-las de forma inteligente. Não é simplesmente ignorá-las”, salienta a neurocientista.
E quando sentimos algo, mas não identificamos o que sentimos? Essa é a intuição, uma dinâmica de pensamento gerada por uma entrada emocional que não conseguimos trazer para a consciência, mas é fruto de valências emocionais que tivemos ao longo da vida, é a emoção na tomada de decisão sem que percebamos. Segundo Tieppo, “a diferença da intuição e de uma vivência emocional consciente é que na última você teve uma sinalização emocional e investigou a razão daquela valência, clareando essa dinâmica e a tornando consciente”.
Como as organizações podem influenciar as jornadas emocionais
Tieppo observa que o ambiente organizacional ainda estuda o comportamento de forma linear, apesar de o ser humano ser muito mais complexo. Entretanto, ela aponta que empresas que possibilitam jornadas emocionais de valência positiva durante a experiência do colaborador (Employee Experience – EX) tendem a ter melhores resultados.
Por exemplo, um líder que provê segurança psicológica está formando um cenário emocional propício à produtividade. As pessoas passam a se posicionar mais e a estar dispostas a correr riscos se têm confiança na sua liderança. Assim, elas saem da famosa zona de conforto, o espectro onde o indivíduo tem competências e opera bem, que Tieppo prefere chamar de “zona de segurança”.
De acordo com ela, “a pessoa não fica ali porque ela está confortável, mas, sim, porque está segura. A expressão ‘zona de conforto’ remete à ideia de que o ser humano é preguiçoso, que é uma visão que está no ambiente corporativo. Isso é muito ruim, pois não retira do colaborador o melhor que ele tem para entregar, só usa a camada de trabalho processual, o que conhecemos como ‘presenteísmo’”.
A química da emoção na tomada de decisão
A neurocientista também indica como estimular hormônios importantes para o trabalho. A adrenalina, por exemplo, precisa de desafios para ser produzida. “Sem eles, a energia das pessoas diminui, pois a falta de necessidade apazigua a adrenalina e a ação do indivíduo fica menos robusta.” Por outro lado, o stress constante atrapalha a produção desse hormônio. “Precisamos ter a capacidade de oscilar momentos, pois não podemos estar com a adrenalina alta o tempo inteiro. É preciso chegar a uma meta, ter um dia de celebração, assim a adrenalina baixa, e a serotonina sobe”, explica.
Já a serotonina está ligada ao reconhecimento. “Ela surge da percepção de que você está fazendo a coisa certa, no lugar certo, com as pessoas certas. Primeiro, temos dopamina e adrenalina para realizar o trabalho. Depois, serotonina, quando as pessoas dizem que aquela entrega foi de muito valor e reconhecem nosso esforço.”
A importância da comunicação interna e do endomarketing
A jornalista e consultora Camila Lustosa, sócia-diretora da Santo de Casa Endomarketing, concorda que podemos criar experiências dentro das organizações que causem valências positivas. Além dos já citados por Tieppo, ela acredita na importância de incentivar um clima de confiança entre lideranças e equipes, de proporcionar propósitos claros, de permitir terrenos prósperos ao engajamento e de oferecer ambientes salutogênicos. E todas essas intervenções também passam pela comunicação interna e pelo endomarketing.
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Ela salienta que “a clareza na comunicação entre empresa e colaboradores contribui no fornecimento de dados. E a própria maneira com que se comunica esses dados gera valências, pois a forma com que se trabalha o conteúdo, a abordagem e a narrativa são capazes de gerar emoções. Por isso, existe ciência no que fazemos. Esse é o poder de um endomarketing bem feito”.
Para comunicar sempre em busca de valências positivas, é preciso conhecer com profundidade aqueles para os quais as comunicações são direcionadas. “É por isso que, ao construir ou mapear jornadas dos colaboradores dentro das organizações, formatamos diagnósticos do maior número possível de perfis, para que possamos entender como vamos nos relacionar com aquelas pessoas, segmentar e fazer uma comunicação personalizada”, destaca Lustosa.
E a ciência não está somente no como comunicar, mas também em decidir o que comunicar. A consultora observa que é mais comum focar no negativo do que no positivo. Contudo, ela pontua que “quando falamos em endomarketing e comunicação interna, as pequenas celebrações, o reconhecimento diário, tudo o que for boa notícia e gerar novas perspectivas e novos horizontes é crucial para originar valências positivas, que são fundamentais para a vida de qualquer ser humano pleno, produtivo e engajado”.
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Todavia, é imperativo lembrar que as más notícias também precisam ser comunicadas. “A transparência é primordial e as conversas maduras precisam acontecer. Mas existem formas e fóruns para que isso seja feito. Aí vem a análise de como, quando e onde essa comunicação deve ser feita e quem deve recebê-la primeiro. Assim, geramos a melhor experiência possível dentro daquele contexto, que pode não ser tão bom. Com maturidade e tranquilidade, é possível comunicar uma notícia ruim com um viés que pode engajar e gerar uma valência emocional positiva” conclui a jornalista.
As evidências neurocientíficas
O Iowa Gambling Task (“IGT”, na sigla em inglês para “Tarefa do Jogo de Iowa”) é um teste desenvolvido em 1994 por Antoine Bechara, António Damásio, Hanna Damásio e Steven W. Anderson. Ele foi utilizado para avaliar a capacidade de tomada de decisões de pacientes com danos no cérebro comparados a um grupo de controle formado por pessoas com a estrutura cerebral intacta.
Os resultados desse estudo serviram de base para que os mesmos neurocientistas escrevessem um artigo observando que, “em pessoas com funções intelectuais normais, o raciocínio era precedido por um viés não-consciente que usa sistemas neurais diferentes do que aqueles que sustentam o conhecimento explícito. Elas decidiam vantajosamente antes mesmo de entender qual estratégia funcionava melhor.”
Por isso, os autores asseguram: “o resultado sugere que, em indivíduos normais, vieses não-conscientes guiam o comportamento antes do que o conhecimento consciente. Sem a ajuda de tais vieses, o conhecimento explícito pode ser insuficiente para garantir um comportamento vantajoso”.
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