Ao pesquisar o termo “felicidade” no Google, o buscador encontra, em menos de meio segundo, aproximadamente 154 milhões de resultados. Apesar de ser um tema discutido pelos filósofos desde antes de Cristo, é um assunto que está sendo, cada vez mais, parte do dia a dia das pessoas – e das empresas. Mas por quê? E qual o papel da liderança na felicidade de seus colaboradores? Convidamos o palestrante, professor e consultor de bem-estar e felicidade Gustavo Arns de Oliveira para responder esses e outros questionamentos. Ele é o idealizador do Congresso Internacional de Felicidade, que em 2023 chega à sua sexta edição.
Santo de Casa: Por que falamos tanto em felicidade?
Gustavo Arns:
Pois é, falar de felicidade virou moda, né? No primeiro momento, nós temos o crescimento das doenças. A ONU (Organização Mundial da Saúde) já apontava aumento dos índices de depressão e ansiedade bem antes da pandemia. E tivemos picos no pós-pandemia com registros enormes, além do burnout chegando com ainda mais força.
Por outro lado, temos algumas respostas e uma ciência surgindo sobre algo que é buscado por toda a humanidade. Temos a ONU colocando o bem-estar como um ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) e temos o burnout sendo considerado uma doença laboral, obrigando as organizações a olhar também para o bem-estar dos seus colaboradores.
Santo de Casa: Qual o papel ou responsabilidade das organizações na felicidade?
Gustavo Arns:
Tem um ponto muito importante aqui: grande parte da nossa felicidade é nossa autorresponsabilidade, mas não tudo. A felicidade no trabalho, por exemplo, parte da premissa que existem condições dignas mínimas e que o colaborador seja respeitado.
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É responsabilidade da empresa fornecer essas condições, como remuneração condizente, plano de carreira, enfim, tudo aquilo importante e necessário para o desenvolvimento do trabalhador. Aí sim ele pode fazer sua parte assumindo a autorresponsabilidade, cuidando de cada um dos elementos do bem-estar e prosperando dentro da organização. Essa é uma via de mão dupla. Cabe à empresa criar as condições para que o trabalhador possa se desenvolver.
SC: Como criar um terreno fértil para a felicidade florescer, mesmo diante de tantos desafios enfrentados no dia a dia das organizações?
GA:
Dentro das organizações, normalmente essa conversa é muito mais simples do que se imagina. Os desafios são inúmeros, verdade. O que as pesquisas internacionais e os trabalhos que realizo dentro das empresas mostram é que o desenvolvimento do bem-estar do colaborador passa necessariamente pela transformação das lideranças.
Elas precisam ser capacitadas, conhecer o tema, ter ferramentas para a construção de uma liderança humanizada e de um ambiente psicologicamente seguro. Assim, a cultura dessa organização pode, com o tempo, ser transformada, chegando em todos os trabalhadores. Esses são os dois drives mais importantes de atuação quando se quer começar um trabalho de felicidade dentro da organização.
Nesse sentido é fácil perceber que o papel da liderança é fundamental. Nossos relacionamentos influenciam o bem-estar. Portanto, as pessoas a nossa volta, de alguma maneira, têm influência. Porém, quando se fala de felicidade dentro das organizações, estamos falando que a formação dessas lideranças é um fator primordial na construção de bem-estar dentro da organização.
Santo de Casa: Como o líder pode desempenhar esse papel?
Gustavo Arns:
É ele que pode trazer ferramentas, é ele que pode orientar sua equipe, é ele que pode fazer essa construção interna. Ao líder cabe liderar, construir, conhecer sua equipe e os talentos que ele tem em mãos para que possa afiná-los. Assim, todos podem construir esse ambiente saudável juntos.
O trabalho não precisa ser um lugar de adoecimento como é hoje. O trabalho pode ser um lugar de satisfação, onde nós podemos desenvolver os nossos potenciais, nossas habilidades, entregar os nossos talentos, nos realizarmos realmente. E o papel do líder nesse sentido é fundamental para nossa felicidade.
Santo de Casa: Mas, afinal, o que é a felicidade? E a ciência da felicidade?
Gustavo Arns:
Tem uma definição de felicidade que eu gosto muito, que é do professor Tal Ben-Shahar, que diz que a felicidade é a combinação do bem-estar físico, emocional, intelectual, relacional e espiritual. São esses cinco componentes que, ao serem integrados de maneira equilibrada em nossas vidas, naturalmente nos levam ao encontro de mais felicidade.
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Há um debate acadêmico sobre o que é ciência da felicidade. No início, ela era sinônimo de psicologia positiva, surgida nos anos 2000, quando o psicólogo Martin Seligman, na presidência da Associação Norte-Americana de Psicologia, fez um grande chamado aos colegas. Ele percebeu que, nos seus 150 anos de história, a psicologia tinha se dedicado ao estudo das doenças e sabia pouco sobre o lado positivo da vida humana.
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Então surgiu um campo de estudo que se dedica à compreensão da felicidade. A pergunta da psicologia positiva é “o que faz com que a vida valha a pena ser vivida?” Esse campo ao longo do tempo ganhou o reforço da neurociência, que, graças ao avanço da tecnologia, pode mapear o que acontece no nosso cérebro, hormônios, neurotransmissores e como nós percebemos isso através das emoções.
Os autores mais modernos consideram a ciência da felicidade um campo multidisciplinar composto principalmente por esses três pilares: psicologia positiva, neurociência e ciência das emoções. Mas que agora está na terceira onda, incluindo cada vez mais áreas de diferentes saberes.
Santo de Casa: Qual a importância da felicidade para a sociedade, para a organização, e para o indivíduo?
GA:
Parte dos estudos dessa ciência se debruça sobre o estudo da felicidade individual subjetiva e como o indivíduo percebe o seu bem-estar. Porém, hoje nós sabemos que a felicidade individual tem um teto muito baixo, não vamos muito longe só com ela.
Portanto, outra parte dessa ciência se dedica a compreender como podemos construir mais felicidade no âmbito coletivo. Isso quer dizer sociedades mais justas, pacíficas, inclusivas, colaborativas, economicamente mais equilibradas e ambientalmente mais responsáveis. Quando se fala no âmbito coletivo, a felicidade vira um grande guarda-chuva para a construção do bem-estar e da qualidade de vida do povo, que devem ser os objetivos finais daqueles que governam, lideram, e criam políticas públicas. Isso passa por educação, saúde e segurança pública. Todos esses pontos são importantes e devem ser olhados com bastante responsabilidade.
Dentro das organizações, o tema tem sido cada vez mais debatido para além do que já sabemos das questões humanas. Estudos mostram que o investimento no bem-estar do colaborador reverte positivamente, inclusive de maneira financeira. Cuidar do bem-estar dos colaboradores dá lucro! Se o colaborador está mais engajado, mais motivado, com boa saúde física, boa gestão emocional, boa saúde mental, com relações equilibradas, certamente encontra melhores possibilidades de produzir mais, de prestar um melhor serviço, de aumentar a satisfação do cliente.
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Esse é um efeito colateral, pois quando falamos de felicidade dentro das organizações o que nós estamos buscando é o trabalho humano (mas é um efeito colateral bem-vindo). Certamente pode auxiliar a manter políticas de bem-estar dentro das empresas, assim como acontece em diversos países. Inclusive, há instrumentos para mensurar a felicidade, como os disponíveis no site do psicólogo Ed Diener. Além disso, algumas empresas criaram as suas próprias formas de medir, como a Heineken.
Santo de Casa: Como podemos mensurar a felicidade?
Gustavo Arns:
Existem muitas formas e indicadores. É importante nós fazermos esse “check-up”. De tempos em tempos, vamos ao médico para fazer um check-up e ver como está a saúde física. Assim como de tempos em tempos devemos parar, fazer uma reflexão e analisar como está o nível de felicidade naquelas áreas da vida que sentimos necessárias.
Há diversas ferramentas para isso. Podemos olhar para a saúde física, para a saúde dos relacionamentos, para a saúde da vida financeira. Podemos usar o modelo do professor Tal Ben-Shahar de bem-estar e analisar cada um desses elementos do bem-estar e como eles se encontram nesse momento. Fazendo isso de tempos em tempos, entenderemos como está nosso bem-estar em cada uma dessas áreas da vida, que é o equivalente ao bem-estar global.
Santo de Casa: A felicidade é um caminho ou um destino?
Gustavo Arns:
Eu gosto de dizer que ambos, porque a felicidade ela é uma meta econômica, coletiva, social, espiritual… Mas quando se transforma em meta, pode trazer ansiedade e estresse. Então, paradoxalmente, a felicidade é também um estilo de vida. É uma forma de olhar o mundo, de ver as coisas – que não é melhor nem pior que outra.
A verdade é que nós precisamos desmistificar o que que é a felicidade e a ciência pode nos ajudar a fazer isso. Mas é necessário autorreflexão, autoconhecimento e autodesenvolvimento para que possamos entender quais são os elementos importantes para nós e o que é essencial na nossa construção de felicidade.
Santo de Casa: Quando falamos em felicidade, também estamos falando de que?
GA:
Certamente estamos falando de autoconhecimento. Mesmo dentro do campo científico não há felicidade sem autoconhecimento. Porque se a felicidade pressupõe esses elementos do bem-estar propostos pelo professor Tal Ben-Shahareu, é preciso entender o que estou sentindo para poder lidar com isso, saber o que influencia positiva e negativamente o meu intelecto e como posso construir bons relacionamentos. Tudo isso é fruto de auto-observação e de autodesenvolvimento. Então, autoconhecimento é o ponto base.
Santo de Casa: A felicidade pode ser aprendida e treinada?
Gustavo Arns:
Um grande ponto de transformação dentro da ciência é a constatação do neurocientista Richard Davidson de que o cérebro é um músculo que pode ser treinado e desenvolvido. Por exemplo, quanto mais cálculos matemáticos você faz, melhor você fica em fazer conta. Nós desenvolvemos habilidades e hoje entendemos que a felicidade também é uma habilidade que pode ser treinada, praticada, aprendida, aperfeiçoada e possível pra todos nós.