No mundo ideal, as pessoas cresceriam livres de preconceitos e todos teriam as mesmas oportunidades. As organizações tomariam como base essa sociedade igualitária. Mas sabemos que não é assim. Por isso é tão importante contar com diretrizes focadas em pessoas LGBTQIAPN+ nas empresas.
“Todos os problemas que as companhias enfrentam nada mais são do que o reflexo do que somos como sociedade. Eles partem de vieses inconscientes e preconceitos que estão enraizados dentro da sociedade. E isso se manifesta em todas as instâncias”, reflete Matheus Gaspar, analista de pessoas na Auren Energia.
Por isso, muitas empresas optam por fazer o movimento do privado para o público, como ele explica: “precisamos fazer o papel inverso. Nós não conseguimos educar o Brasil inteiro. Mas conseguimos conscientizar nossos colaboradores e incentivá-los a sensibilizar seus familiares e amigos, que também podem passar esse conhecimento adiante”.
Antônio Sami de Oliveira Brito, analista sênior de diversidade e inclusão na Alpargatas, ainda acrescenta que “é impossível fazer qualquer trabalho sem pensar na responsabilidade com o território e no impacto que temos. Ele vai além da organização. Geramos impacto social de várias formas e olhar para isso precisa ser intencional.”
LGBTQIAPN+ nas empresas
As áreas dedicadas de Diversidade e Inclusão (também chamadas de D&I) nas organizações formais de trabalho são recentes no Brasil. Antônio Sami enxerga a importância desse momento: “Temos uma oportunidade singular na mão – de construir conhecimentos, ações e boas práticas com responsabilidade social que reflitam no território. É fundamental que quem esteja sentado nessa cadeira pense sobre isso.”
Na visão de Matheus, a diversidade, além de estar relacionada com a ética, deve ser vista como uma vantagem competitiva para o negócio e ter o apoio da liderança. E aprender é uma palavra de ordem. Os temas ligados a diversidade (e a LGBTQIAPN+ nas empresas) vão estar sempre em atualização. Isso porque, conforme a sociedade avança, nosso entendimento sobre esses assuntos também evolui. “E mais do que isso. Já está no nome. É diversidade. É impossível sabermos sobre tudo, pois é diverso demais”, conclui.
Para trabalhar com o tema de diversidade e inclusão, cada companhia precisa encontrar uma estratégia que funcione para ela. Algumas optam por comitês, outras por grupos de afinidade. Os recortes de diversidade mais trabalhados geralmente são os seguintes:
- Equidade de gênero
- Diversidade sexual e de gênero
- Pessoas com deficiência
- Raça e etnia
A Alpargatas ainda acrescenta duas dimensões a essa lista:
- Multiculturas
- Gerações
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A abordagem da Alpargatas em todas essas frentes é avançar nelas enquanto grupo. O papel de cada um é pensado partindo do valor que aquele tema tem para a organização. “Nunca chegamos com propostas de diversidade e inclusão, políticas ou benefícios que fossem top-down, que as pessoas simplesmente tivessem que aceitar. Sempre trazemos isso para que todos, desde a base da empresa, se sintam participantes do processo. E isso faz muita diferença”, explica Antônio Sami.
O papel da comunicação na diversidade e inclusão
Na Auren, divide-se o esforço em temáticas de atuação: engajamento, treinamento, atração e comunicação. Matheus explica que “a comunicação é o eixo transversal, pois as outras frentes, apesar de às vezes criarem projetos conjuntos, caminham sozinhas. O papel da comunicação é costurar as iniciativas, fazer com que elas conversem entre si e tenham sinergia.”
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Além desse papel de transversalidade, a comunicação também é muito potente na disseminação do conhecimento. Ele ressalta que “via comunicação, se tem a capacidade de trazer a clareza de tudo o que existe. Não só na organização em si, mas na sociedade como um todo”.
Ela é uma ferramenta para divulgar direitos que podem gerar dúvidas na comunidade LGBTQIAPN+ nas empresas e fora delas. A comunicação também reforça os deveres das pessoas. Ela deixa claro os tipos de posicionamentos que não são aceitos nas companhias – como os de cunho discriminatórios – e as consequências de ferir diretrizes explícitas em códigos de condutas, políticas e processos.
Para Antônio Sami, quanto maior a interface entre os times de comunicação e D&I, maior o impacto cotidiano dentro da empresa: “diversidade e inclusão é sobre cultura organizacional. E cultura organizacional é sobre como a gente se relaciona – comunicação tem tudo a ver com isso.”
Segundo ele, a imagem da área e a reputação dependem da comunicação. “Podemos fazer maravilhas, mas se não soubermos comunicá-las, elas vão ficar apagadas. E existe uma ética nisso – aqui na Alpa, comunicamos somente o que de fato entregamos, boas práticas e referências” revela.
Além disso, ele acredita que a comunicação tem o poder de facilitar (ou dificultar) a sensibilização sobre o tema. Dependendo do clima da organização, se a comunicação for feita de forma errada, fecha-se o canal com determinadas pessoas para continuar falando sobre ele.
Ignorância e preconceito
É primordial lembrar que, quando falamos de diversidade, existem indivíduos que, mesmo com acesso à informação, preferem a ignorância, o preconceito e a discriminação. Contudo, boa parte das pessoas que têm posturas e falas preconceituosas parte de um lugar de desinformação, seja por não conviver com a comunidade LGBTQIAPN+ nas empresas ou na sociedade ou por não buscar proativamente esse tipo de conteúdo e, consequentemente, não ser impactado por ele.
Matheus salienta que quanto mais falarmos sobre esse assunto, mais daremos às pessoas acesso a essas informações, apesar de às vezes parecer um assunto batido para quem já teve contato com o tema. Segundo ele, “pouco a pouco podemos começar a despertar o interesse e fazer com que essas pessoas queiram se aprofundar e pesquisar por conta própria. Assim, elas passam a entender a importância dos movimentos desses grupos, se identificar como aliadas dessa luta ou até mesmo se reconhecer como membros dessas comunidades e passar por um processo de descoberta.”
LGBTQIAPN+ nas emrpesas: Caso Auren Energia
Na Auren, cerca de 11% dos respondentes do censo da empresa se declarou LGBTQIAPN+. A estratégia de inclusão e diversidade da companhia conta com diretrizes voltadas a essa comunidade. A começar pelo Código de Conduta, que proíbe qualquer tipo de discriminação.
Existem também ações de conscientização para trazer conteúdo sobre esse público. Uma delas foi através de uma live com especialistas e colaboradores para falar sobre o contexto LGBTQIAPN+ nas empresas. Além disso, dentro da cartilha de inclusão e diversidade da Auren, existe uma sessão dedicada para a questão de orientação sexual e uma outra para falar sobre identidades de gênero.
Já o programa de parentalidade da empresa, desde o seu desenho, foi pensado para que os benefícios, incentivos e ações incluam todos os recortes de família. Dessa maneira, casais homoafetivos também são contemplados na licença parental, auxílio creche, na inclusão do dependente e cônjuge nos benefícios ofertados pela empresa, etc.
No mês do orgulho, em junho, a campanha de comunicação trouxe informações sobre o público LGBTQIAPN+ (assim como em janeiro havia sido feito para a visibilidade trans). Uma das ações foi uma série de áudios via WhatsApp corporativo. Os colaboradores foram incentivados a não só ouvir, mas também compartilhar com sua rede de contatos. Assim, essas informações foram disseminadas para fora da Auren.
LGBTQIAPN+ nas empresas: Caso Alpargatas
Apesar de já estar em uma jornada de diversidade e inclusão há mais tempo, 2020 foi um ano chave para a Alpargatas. Nele, criou-se a área dedicada a diversidade e inclusão e o programa Allpa. E em 2021, se lançou a política de respeito à diversidade e o manifesto de que a empresa quer ser o melhor lugar para todos estarem. “Nos orientamos por proteger a diversidade das nossas equipes e a identidade de cada pessoa e garantir que os nossos não produzam nenhuma forma de preconceito ou assédio”, explica Antônio Sami.
A empresa assumiu compromissos públicos, aderiu a Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e ao Pacto Global da ONU. Também estabeleceu áreas de atuação, como conscientização, letramento e sensibilização da consciência.
Na frente LGBTQIAPN+, o Alpa TRANSforma é um programa de educação que se propõe a fazer um nivelamento acadêmico de pessoas trans. Mesmo não sendo um programa de empregabilidade, quando o curso finaliza, os participantes têm a possibilidade de se inscrever no processo seletivo da Alpargatas, que preenche as vagas primeiramente com o público do programa.
Antônio Sami conta que isso fez com que a demografia de pessoas trans aumentasse na organização: “embora já contratássemos essa população de forma voluntária – 2005 foi o ano que a primeira pessoa trans entrou na empresa –, é só de forma intencional que conseguimos aumentar proporcionalmente o quadro com esse público. Precisamos sair do espontâneo e ir para o intencional.”
O engajamento
De acordo com Antônio Sami, “essa é uma jornada que nunca acaba nas organizações. Conforme ela acontece, a experiência muda, as pessoas empoderam e se sentem mais confortáveis para serem aliadas de pautas específicas”. Segundo ele, o público majoritário tem uma boa reação às propostas e se engaja bastante.
Nos webinars, a métrica acompanhada é a média de pessoas online ao longo da transmissão. Já nas fábricas, se mede o número pela participação nas ações. A cada dimensão trabalhada, se propõe atividades e até decoração diferentes. “Ao fazer dessa forma, tiramos os colaboradores da rotina, o que também é importante para as pessoas terem carinho com a área e com o tema”, analisa.
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A Alpargatas também calcula o nível de amadurecimento e de engajamento por pesquisas internas de pertencimento e inclusão. Na análise de Antônio Sami, “se essas pessoas não se sentissem pertencentes, à vontade ou não respeitadas, nosso indicador não poderia ser de um ótimo engajamento”.